quinta-feira, 6 de junho de 2013

Não há alternativa melhor ao capitalismo?

Este post ficaria muito grande se analisasse ambas as questões referidas no anterior. Por isso, vamos enfrentar agora somente a primeira delas, qual seja, a desculpa de que não haveria alternativa melhor ao capitalismo.
Para citar alguém insuspeito, o filósofo Slavoj Zizek diz que é catastrófica a experiência de projetos políticos inspirados pelo marxismo no século 20. Ok, mas o problema é que, apenas com base nesses exemplos históricos, a direita usa o tempo todo o discurso de que não há alternativa política melhor do que o capitalismo e, assim, muitos desavisados acabam por culpar Marx por Stálin e coisas do tipo, o que é tão absurdo quanto culpar a mãe de Hitler pelo nazismo. A verdade é que o socialismo, tal como pensado pelos teóricos, jamais se concretizou efetivamente como prática política e a leitura de Marx continua e sempre será clássica porque fornece luz crítica capaz de revelar que o capitalismo não é natural e nem mesmo necessário ao funcionamento das sociedades de massa como a nossa.
E o que é o capitalismo? Indo direto ao ponto, é o sistema econômico ao qual o mundo se curvou no final do século 20, consistindo na acumulação de capitais realizada por quem já detém um volume expressivo de capital econômico, em detrimento dos que não detêm. Por isso, é intrinsecamente desigual, antissolidário, antiverde e anti-humanitário. Pauta-se no direito de propriedade individual, como se este fosse de fato, social e economicamente fundamental.
As pessoas “sonâmbulas” (que só seguem o fluxo do pensamento mainstream, sem acordar para um questionamento crítico) e as pessoas que simplesmente desejam enriquecer incorporam princípios do capitalismo como se fossem naturais, praticamente inerentes a um padrão civilizado de vida humana. Albert O. Hirschman (As paixões e os interesses) demonstra muito bem como a ascensão do capitalismo deve a crenças e justificativas nesse sentido.
Na mesma hipnose e deslumbre em face da beleza que o dinheiro compra, é interessante quando visitamos a Dinamarca, Noruega ou Austrália, por exemplo, e percebemos um mundo tão bonito, confortável e, ao menos em certa medida, bastante harmônico. Mas não dá para viver esta ilusão: o capitalismo lá só aparenta formosura graças ao trabalho de suas "colônias". O que seria do pequeno mundo desenvolvido sem sua enorme periferia, composta pela maioria dos países do mundo cada vez mais globalizado?
Com exceção do que é físico, químico, biológico, geológico, enfim, com exceção do que é próprio da natureza, tudo o que há no mundo resulta de construções e lutas políticas, inclusive (e principalmente) o modo de organização da economia e das instituições. É um erro afirmar que ser egoísta ou competitivo fazem parte de uma suposta “natureza humana”. Geneticamente, não há nenhuma comprovação disso (se houvesse, a pessoa que vos escreve simplesmente não poderia ser considerada humana). O modo de estarmos no mundo é inventado pela cultura, pelo comportamento ensinado de geração para geração... e tudo poderia ser completamente diferente!
Desse modo, o capitalismo não é, a princípio, natural e nem necessário. Então por que, em pleno século 21, ele ainda é apontado como o melhor modelo econômico pelo stablishment? Só por uma razão: a esquerda ainda não se uniu em torno de um projeto claro para apresentar ao mundo sua alternativa, a alternativa progressista (que, sim, incorpora uma abordagem principiológica e de perspectiva crítica extraída da obra de Karl Marx). E qual seria esta alternativa? A princípio e em linhas gerais, a transformação da economia de mercado capitalista em uma economia de mercado solidária, combatendo-se todos os problemas identificados no capitalismo, como a escandalosamente insalubre desigualdade social. Não se trata de uma proposta socialdemocrata, mas deve ir muito além, rompendo com o alicerce básico de toda a lógica capitalista, que é a primazia do direito à propriedade privada (veja bem, isto não significa extinguir a figura jurídica da propriedade privada, porém eliminar a centralidade do papel que ela desempenha na economia capitalista, que gera um desequilíbrio de poder econômico e, por reflexo, um desequilíbrio de poder político entre os cidadãos). Basicamente, o direito de propriedade propriamente dito não é necessário porque nada mais é do que uma concentração de faculdades que se desdobram em outros direitos (exemplos: posse e usufruto). Quem explica bem isso é o Roberto Mangabeira Unger (Falsa Necessidade).
 
Não existe uma fórmula para a construção de um pós-capitalismo para cada país, mas acredito que os preparativos para transformações dessa natureza vêm sendo realizados no Brasil, mais intensamente a partir do governo Lula. Reparem a palavra que usei: “preparativos”. Já que o capitalismo e seus efeitos se impuseram sobre praticamente todos nós no planeta, o jeito agora é, inevitavelmente, creio, arrumar a nossa casa com obras de infraestrutura e artifícios de redistribuição da riqueza, preparativos que são condições para o estabelecimento de um novo paradigma de organização econômica e social e que devem continuar sendo cumpridos por muitos anos no Brasil e, quiçá, por vezes renovados. Por isso, a nova fase política brasileira terá que se dar no bojo desse processo de medidas que chamo de preparativas e devemos ter a sensibilidade de identificar o momento certo para cobrar a sua implementação, ou seja, o momento em que alguns desses “preparativos” deverão se dar concomitantemente à execução da era pós-capitalista, orientando o modelo de desenvolvimento nacional para uma alternativa progressista e sustentável genuína. Acho que essa hora não demora de chegar.

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